O difícil retorno ao trabalho após um afastamento por transtornos mentais e comportamentais

Publicado em : 08/04/2016

Autor : Hilda Alevato*

28.03.2008 Hilda Alevato, coordenadora do NEST

Dentre os inúmeros desafios que o campo da saúde e segurança no trabalho apresenta aos envolvidos, certamente se destacam as questões relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais. Desde a banalização das queixas, passando pela degradação das relações de trabalho, pelo despreparo das chefias para lidar com as pessoas e os grupos, até o medo de perder o emprego num cenário econômico perverso, sem esquecer da complexidade do atendimento psiquiátrico e do retrocesso das políticas públicas de suporte às diferentes fases de demanda, tudo concorre para que o trato com a dimensão mais humana do trabalho se mostre muito aquém da garantia de ambientes laborais favoráveis à saúde psíquica.

A interessante frase-síntese proposta por Yves Clot nos provoca a entender que o trabalho não apenas é uma função psicológica, mas também tem uma função psicológica. Nesse sentido, os ambientes laborais são essencialmente psicossociais e tudo o que ali acontece (antes, durante e após o acidente, o adoecimento ou a morte de alguém) afeta não apenas ao próprio sujeito, mas a todo o grupo. Ou seja, qualquer que seja o motivo do afastamento (físico, químico, psicossocial, biológico, ergonômico), há impactos – tais como medo, sobrecarga de trabalho, insegurança etc. – sobre os chefes, colegas e pares com os quais o adoentado interagia e com os quais deverá voltar a interagir ao retornar ao trabalho.

Pensando assim, nesta breve reflexão que partilho com os leitores, destaco a singularidade dos aspectos relacionados ao retorno daqueles assalariados afastados para tratamento de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho.         No caso que aqui nos interessa mais de perto – patologias como depressão, síndrome do pânico, burnout e outras, entendidas como transtornos mentais leves – o retorno envolve não apenas o corpo do sujeito vitimado, sua subjetividade, seu próprio funcionamento psíquico, mas também as condições e a organização do trabalho (em suas dimensões psico e sociodinâmicas) que contribuíram para seu adoecimento.

Conforme sabemos, o ambiente laboral comporta peculiaridades socioculturais que envolvem um importante conjunto de crenças, ideologias, defesas, interditos e outras manifestações típicas dos grupos humanos, que amalgamam as relações e que compõem a narrativa da qual o afastado que retorna faz parte. Seu processo de adoecimento também faz parte dessa narrativa e frequentemente estigmatiza-o, seja pelo fato de muitos ainda confundirem alguns sintomas com fraqueza de caráter, preguiça, má vontade ou oportunismo, seja pelos preconceitos ainda existentes em relação à pessoa que recebe atendimento psiquiátrico.

Certamente a qualidade do retorno ao trabalho não obedece a um modelo único: guarda muitas diferenças que passam não apenas pelas características do grupo, mas também pelas circunstâncias em que se deu o momento do afastamento, pela natureza da atividade, pelo relacionamento interpessoal anterior, pela cultura organizacional, pelo tempo longe do trabalho e por muitas outras variáveis.

Nesse sentido, a atuação dos profissionais do campo da POT nas organizações ganha mais e mais importância, na medida em que envolve trabalhar não apenas com o próprio sujeito que retorna – favorecendo sua readaptação, apoiando-o em seus desafios – mas também com o conjunto humano que ele voltará a integrar. Inúmeras vezes, os próprios administradores precisam de ajuda, já que se mostram intimidados diante da tarefa de receber de volta um profissional que se comportava de modo diferenciado e/ou cujo retorno parece rejeitado pelo grupo. A ignorância e o despreparo das chefias nesse importante momento podem ser considerados sérios agravantes das ameaças psicossociais existentes, reproduzindo-se em novos adoecimentos e na frequente reincidência de afastamentos daqueles que experimentaram retornar para as mesmas condições que os adoeceram.

No entanto, para além da atuação pontual, caso a caso, há uma tarefa inadiável de investigação-ação em relação ao próprio ambiente laboral em que o profissional da POT atua: a natureza das atividades ali desenvolvidas, os estressores que as caracterizam, a organização do trabalho ali praticada e outros aspectos, são conhecimentos essenciais para compreender melhor as ameaças à saúde mental ali presentes e contribuir para o desenvolvimento de formas coletivas de controlá-las. 

* Dra. em Educação e Psicanalista, prof.de Psicologia aposentada pela Univ. Federal Fluminense. Atualmente dirige o NEST – Núcleo de Educação e Saúde no Trabalho.