O todo é maior que a soma das partes

Publicado em : 26/04/2016

Autor : Elisa Ribeiro*

Para o público em geral a percepção sobre a atuação profissional do psicólogo está atrelada a três imagens: atendimento clínico, teste psicológico e dinâmica de grupo. Figuras como Kurt Lewin, Jacob Moreno e Pichon Rivière são velhas conhecidas na nossa formação. Durante os cinco anos que passamos na faculdade ouvimos repetidas vezes frases como: “o todo é maior que a soma das partes”; “papéis são complementares”; “bode expiatório é o depositário de aspectos negativos do grupo”; “o viés intergrupal orienta a percepção que temos do outro”… Mas tanto no âmbito acadêmico como no campo de atuação profissional o foco de estudo e/ou intervenção tem sido predominantemente o indivíduo. Mesmo para psicólogos organizacionais oriundos de cursos com forte ênfase em psicologia social, a compreensão do interjogo indivíduo x grupo x organização não repercute de forma consistente na práxis. Se como Lewin postula “nada é tão prático quanto uma boa teoria”, porque nossa atenção aos fenômenos grupais muitas vezes se restringe às técnicas de dinâmica de grupo?  Com que frequência levamos em conta o grupo como fenômeno na escolha do nosso objeto de estudo, na prática da docência em sala de aula e na atuação junto às organizações? Lembram das aulas de cultura organizacional? Hofstede?  Dimensões culturais? Penso que a primeira resposta está no fato de sermos pessoas que cresceram e aprenderam a perceber os fenômenos sob a ótica das sociedades individualistas. Significa dizer que tendemos a perceber as pessoas como autônomas, independentes e responsáveis por seus sucessos e fracassos. Diante de fenômenos sociais tendemos a focar no objeto, pensar de maneira linear e temos dificuldades em lidar com contradições. Ao longo da nossa vida escolar e laboral lidamos predominantemente com tarefas disjuntivas (que só podem ser completadas individualmente) e sistemas de recompensas individuais. A segunda resposta está no fato de ser deste contexto que surgem as demandas para que o psicólogo intervenha. Este é o nosso primeiro e principal trabalho: problematizar a demanda que chega até nós compreendendo que, embora ela verse sobre o indivíduo, ele se constitui e se expressa nas interações intra e intergrupais. A interação é o elemento que torna o grupo espaço de expressão de fenômenos distintos, ao configurá-lo espaço de reconhecimento de si e do outro. São exemplos destes fenômenos:  a maneira como pensamos e agimos diante dos nossos pares e não pares é orientada pelo sentimento de pertencimento a determinados grupos; tendemos a nos aproximar daqueles que consideramos semelhantes;  a percepção de semelhança nos faz ter maior tolerância e pró-sociabilidade com aqueles que consideramos membros do nosso grupo; assumimos papéis sustentados pela posição que ocupamos na rede de interação e; a posição ocupada no grupo pode facilitar ou dificultar o acesso ao capital social circulante na rede de interações. Para nós, psicólogos, mais importante que identificar os fenômenos peculiares ao grupo é valer-se das potencialidades deste como unidade de intervenção. Assim, este pode ser o espaço de resignificar fronteiras de pertencimento a grupos, promovendo entidades de pertencimento mais inclusivas; permitir que os papéis circulem no grupo, reduzindo estereotipias localizadas em determinados membros; permitir a expressão e elaboração de ansiedades diante de processos de mudança. Diante de todas estas possibilidades, acredito que quando nos dispusermos a considerar o grupo como eixo privilegiado de intervenção, enxergaremos que o todo é maior que a soma das partes. 

*Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela UFBA. Pesquisadora em Análise de Redes Sociais e Processos Grupais.