Os Desafios da Atuação em Empresas Familiares

Publicado em : 01/04/2017

Autor : Lidiane dos Anjos Santos

Voltando a atuar no Nordeste, percebo quantos desafios ainda precisamos – me refiro à classe de psicólogos – enfrentar em relação ao reconhecimento e valorização do papel do psicólogo organizacional e do trabalho.

São empresas familiares, em sua grande maioria, marcadas por valores organizacionais que copiam os valores arraigados no âmbito pessoal dos seus sócios/gestores. Assim, entender a organização transpõe os conhecimentos técnicos aplicáveis no contexto do trabalho por meio da POT e segue para uma ordem de compreensão dos complexos valores familiares, para então dar sentido à práticas instituídas numa determinada organização.

Não me refiro apenas às discrepâncias regionais, me refiro também ao acesso à informação, à dimensão ético-política de engajamento dos profissionais, da manutenção de uma liderança paternalista e autocrática, de uma estrutura organizacional verticalizada, e de normas respeitadas porque são leis e não por compreensão da importância destas no todo organizacional.

As relações institucionais muitas vezes se confundem com as relações familiares e isso traz consequências que a primeira vista parecem positivas, mas quando aprofundadas, o desvio de função, o preconceito, o tempo do empregador x tempo do processo e a desvalorização do trabalhador ficam marcadas. Não é raro encontrar na fala de colegas psicólogos que atuam na POT, as seguintes expressões: “Encontre o melhor profissional na seleção e já que você lida com a mente das pessoas, faça-o produzir cada vez mais”, “pode ser burra, mas a contratada tem que ser recepcionista bonita!”, “não vejo problemas do vigilante lá da empresa lavar o meu carro lá em casa”, “quero uma pessoa contratada amanhã!”.

Sim, atuar no mundo contemporâneo é, acima de tudo, considerar as rápidas transformações no mundo do trabalho. Mas, e quando algumas empresas parecem ter parado no tempo? Quando algumas delas respeitam muito mais a máxima “time que está ganhando não se mexe” a adotarem mudanças organizacionais significativas?

Possibilidades de atuação encontradas para ressignificar esses desafios estão sendo implementadas e tem apresentado resultados positivos. Um deles foi, através do Conselho Regional de Psicologia, elaborando cartilhas e workshops para gestores das empresas locais a fim de levar informações acerca do papel da POT. Percebemos que os gestores ainda enxergam no psicólogo um coadjuvante no processo de Recrutamento e seleção, já que é exclusivo a este profissional apenas a aplicação dos testes psicológicos, esta indispensável em algumas contratações. Sabemos que são diversas e amplas as nossas atribuições e é através da prática educativa que pretendemos mudar essa realidade de desconhecimento.

Uma outra ação tem sido uma pesquisa de campo focada na percepção dos gestores quanto a prática da POT, para que a partir de indicadores, possamos delinear novas e possíveis intervenções. E, em relação a troca entre psicólogos e demais profissionais atuantes na área organizacional, temos realizado encontros a partir de Grupos de Trabalhos, a fim de ampliar o debate sobre vivências atuais e buscar respostas, de forma coletiva, para os desafios postos.

Entendo que nossa valorização enquanto psicólogos da área POT virá a partir de uma prática embasada cientificamente e de resultados esperados, primeiramente por nós, psicólogos, e evidenciados numa realidade mais justa na organização. Sem o espaço possível de atuação ética e respeitosa se torna impossível uma atuação comprometida e transformadora. Sem mudanças no contexto, ficaremos a mercê dos ditames dos gestores e sem autonomia para a efetiva atuação.

* Profa. Me Lidiane dos Anjos Santos Andrade é Psicóloga, doutoranda em Psicologia Social pela PUC-SP, vice presidente do Conselho Regional de Psicologia em Sergipe, professora e coordenadora de Estágios da Universidade Tiradentes e Gerente de Gestão de Pessoas na A. A. Transporte.